Os princípios de uma restauração “à francesa”
Béatrice Sarrazin – Chefe do Departamento de Conservação-Restauração C2RMF – Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França
Béatrice Sarrazin – Chefe do Departamento de Conservação-Restauração C2RMF – Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França
A restauração é um procedimento crítico que leva em conta vários parâmetros. O ato de restauração é, de fato, uma intervenção sobre a matéria da obra, com a consciência nítida de sua vulnerabilidade e de seu caráter insubstituível. Contudo, um projeto de restauração não é simplesmente uma proposta técnica; ele se completa por outras considerações de ordem científica, mas também histórica e deontológica, uma vez que a obra carrega em si valores que evoluem e se transformam em cada época.
Várias respostas podem ser dadas à pergunta “porque são feitas restaurações?”. A primeira está ligada à materialidade do objeto: restaura-se para preservar a integridade da obra. Um quadro, por exemplo, é feito de materiais de naturezas diversas, unidos em uma ordem escolhida pelo artista. A segunda diz respeito à maneira como as gerações passadas consideraram a obra: restaura-se para garantir o respeito e o seu significado cultural, histórico e artístico. A terceira está relacionada ao valor patrimonial que se quer dar à obra: restaura-se para assegurar e sua passagem para as futuras gerações. No entanto, a obra sofreu os efeitos do tempo. A matéria envelheceu; transformou-se. Ela apresenta alterações, algumas delas irremediáveis (fissuras, desgastes, descoloração dos pigmentos). Ao optar por restaurar uma obra, não se busca recuperar o estado original/criativo, definitivamente perdido, mas sim, alcançar um estado que resulte de uma interpretação crítica e que leve em conta a história do objeto.
Alguns princípios estabelecidos por nossos antecessores guiam o nosso trabalho cotidiano nos ateliês de restauração do Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França. A restauração é um processo interdisciplinar para o qual são necessárias as competências do restaurador, do cientista e do historiador de arte, cada um contribuindo para a compreensão da obra e trazendo respostas possíveis às perguntas feitas. A observação visual, o estudo científico (exames, análises e datação), o conhecimento técnico e histórico, nutrem a reflexão que precede a intervenção. O profissional formado e experiente tem, em última instância, o imenso privilégio de tocar na obra. Esta colegialidade se expressa em comitês científicos que garantem o acompanhamento e a validação das etapas da restauração. A operação como um todo é documentada, cada etapa do processo sendo um registro.
A restauração baseia-se na escolha de um modo de proceder. Esta decisão é norteada pela própria obra e se faz em função dela. A escolha decorre das possibilidades – mas também das impossibilidades – técnicas. Ela traduz a concepção que nós temos da obra. A opção escolhida é sempre ponderada, discutida, e a qualquer momento, deve poder ser justificada. Este trabalho exige prudência e humildade, momentos de pausa e de reflexão. A escolha final contém uma parte subjetiva ladeada pela metodologia estabelecida.
Caracterizada por um constante equilíbrio entre a prática e a teoria, a restauração se apoia na seguinte regra tríplice, formalizada nos anos 1970: estabilidade, reversibilidade e legibilidade. Concebida como um ideal a ser atingido, é importante medir seus limites: a estabilidade diz respeito à compatibilidade dos materiais; a reversibilidade, noção mais complexa, se refere aos materiais acrescentados, especialmente os do retoque, que devem poder ser retirados facilmente. Quanto à legibilidade do ato do restaurador, ela pode ser real, no caso de uma restauração arqueológica, ou localizável pela documentação constituída durante a operação.
Caracterizada por um constante equilíbrio entre a prática e a teoria, a restauração se apoia na seguinte regra tríplice, formalizada nos anos 1970: estabilidade, reversibilidade e legibilidade. Concebida como um ideal a ser atingido, é importante medir seus limites: a estabilidade diz respeito à compatibilidade dos materiais; a reversibilidade, noção mais complexa, se refere aos materiais acrescentados, especialmente os do retoque, que devem poder ser retirados facilmente. Quanto à legibilidade do ato do restaurador, ela pode ser real, no caso de uma restauração arqueológica, ou localizável pela documentação constituída durante a operação.
Toda intervenção parte de uma constatação: em qual ponto ou aspecto o estado de uma obra deixou de ser satisfatório? Geralmente, vários níveis de intervenção podem ser considerados. O critério de conservação prevalece sobre a intenção de interromper, ou, ao menos, desacelerar, o processo de degradação com o intuito de prolongar a existência da obra. Mas a abordagem estética, certamente mais objetiva, escorada na ideia de que convém melhorar o aspecto visual, continua sendo essencial. Pois a compreensão da obra torna-se algumas vezes difícil. No caso da pintura, a imagem pode ser traída por repinturas, frequentemente transbordantes. Quanto aos vernizes, algumas vezes eles se amarelaram e se oxidaram, modificando assim a escala de cores e atenuando os contrastes. Na França, é tradição privilegiar a abordagem técnica mais favorável para a manutenção de uma leve camada de verniz antigo, contribuindo para a “pátina” - sinal da passagem do tempo. A intervenção de restauração repousa então sobre a definição do protocolo mais apropriado.
Este texto foi extraído do Livro "Poussin - Restauração - Hymeneus travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo", editado pelo Instituto Totem Cultural e Imprensa Oficial
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